domingo, 4 de setembro de 2011

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quelle reponse la vie nous donne

Não se sacia o apetite pelos melhores sabores da vida, nem se da medida ao não feito e a saudade; já não se derrama leite, hoje é a beleza quem chora; até porque se tudo vale a pena, é sinal de que a pena já não vale tanto assim.

La grand mère


Me enrolou, como de costume... Disse que ficaria dois anos mais; que me contaria sobre dois tantos atrás; que um não, mais dois, sempre mais; que me esperaria – demorei –, gestação fúnebre, dois, já nem eram mais.


Fazer dos dias uma jornada partilhada por camaradas, de onde pode-se ver a melhor luz, de onde pode-se rir, de onde pode o que se pode em si.

“Abre essa porta que eu já estou amafumbada e aqui dentro cheio de carapanã.

Ponha a água no fogo e coloca tudo na mesa: pão, queijo, sopa, tapioca, bolo, tudo que for bom... Que hoje eu to com fÔôome!

E num esquece de comprar meu tabaco!

Tu né nem besta... se não vai ver uma coisa! (rs)”


“devagarzinho...

O que é isso!?

Mas que coisa... Égua!”.


Como serão os próximos mil dias?

Agora os pezinhos descansam, né linda?




Brisa



O que se mostra a vida tem beleza

Pro bem bonito me parece

Até mesmo alegria entristece

São pontos que vista alcança

O mar é tua esperança

ou perpetua tua tristeza

Calma... alma... a ma... Call mar... Call mar!

Anda...


Perpetua brisa ou mar

sábado, 8 de maio de 2010

Mil Dias


Nasci com insaciável desejo pelo novo e incompreensão pela escolha da rotina, como se não bastasse, a aparição se deu em meio a católicos fervorosos e ateus, hippies e burgueses, intelectuais e xucros, revolucionários e conservadores, muitas vezes todos esses em um só ser. Todos fragmentos de um patriarca de índole sustenta, elevada e saudosa. Omar, que todos os dias dava conta das três refeições para toda uma família de oito filhos e algumas dezenas de agregados, não dispensava a cervejinha depois do açougue e antes do almoço, não só para pensar melhor como também para recordar tempos de boemias regadas a boas rodas de violão. De discurso forte, conservador, de 1912; hilário e generoso; de memoráveis “Isso é um preto de alma branca” e ainda “E isso fala, é?”. É... Somos todos fragmentos de Omar Tibiriçá da Cruz. Jamais esquecerei a cara de respeito e admiração com a qual todos o olhavam e do orgulho, que sempre senti, dele ser meu avô.

[...].

Por Mil dias desejei o novo.
Diante da sina tornei-me músico, percorrendo três continentes se descobre uma lista infindável de pessoas, lugares, sentimentos, alguns nomes ficam pelo caminho, mas cada aventura serve de experiência e torna-se história a ser contada.

[...].

Lembro os momentos que sucederam... O movimento da casa não era o mesmo, a luz estava mais baixa e dava para ouvir os passos em meio ao silêncio. Ela passou a acordar cada vez mais tarde e logo acordar e levantar não seriam a mesma coisa. Dona Perpétua deitou e percebi que remediar os assustados era cuidar do meu próprio medo. É assustador para uma criança se reconhecer com 97 anos.

Mil dias desejei de novo, eles vieram. Da cama ouvi histórias da fábrica de tabacos com paqueras e cervejas ao final do expediente; almoços regados a tartarugas, jacarés; soube que as mutucas e carapanãs aumentam a sensação de se estar amafumbado; 97 anos, sã, saudável, de constante sorriso no rosto, por todos cantos nos gabamos de ter nossa matriarca. Ao conhecer o conto de uma macaca que vigiava as crianças e ajudava nas tarefas da casa – pois é, minha bisavó adotiva era uma chimpanzé – comecei a perceber a beleza da rotina, do aprofundamento das relações, percebi a beleza do se estar só, do silêncio, da fragilidade. Estar só... Mil dias.

Mil dias compartilhados por alguém que ela recorre como a uma mãe quando sente medo, que cuida da manutenção do nosso orgulho de tê-la sã, saudável e sorridente aos 97 anos. Como em um ritual tribal de passagem, parece ser um preparo para se tornar merecedor e conhecedor da história da família, pois todos os mil dias de vovó, também os de vovô, foram os mil dias de Tia Eneida. Nesses dias em que se conheceram, há um mundo, a um mar de gente.

Mil dias desejei o novo.
Inocência a minha... Iguais foram os meus mil dias dopados pela falsa idéia de felicidade e rodeados por estranhos. Perdi a macaca, os botos, tartarugas, a fábrica, cervejas, namoros, mutucas e carapanãs, perdi de estar amafumbado com os meus.

E lá de fora trouxe cobranças que não cabiam aqui dentro. No mundo novo das possibilidades voláteis, tomamos por bestas as mudanças simples, mas o simples não cabe aqui dentro. Hoje esse mundo é meu, e o lá de fora cabe pouco em mim. Talvez observar a vida sob outro ponto de vista seja realmente incrível... Quem passou os mil dias no mesmo lugar?

Tomam-nos por tolos quando dizemos que vovó simplesmente resolveu não levantar mais. Mas não seria sábia a idéia de parar para pensar de que valeu a vida? Não seria merecedora de reflexão? Acerto de contas com a consciência, sorrir novamente das mesmas piadas e amores, chorar; medo; tédio; solicitar carinho e atenção e ainda passar adiante tudo o que aprendeu. Não seriam necessários uns... Mil dias?


Deixa de ser besta menino, nunca viu os macacos da televisão? Pois então, a macaca cuidava da gente...” (Maria Perpétua Sales da Cruz).


(fragmento do texto “Tibiriçás da Cruz”)